Entrevista publicada no Valor Econômico
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu uma liminar inédita para uma empresa do setor de construção civil excluir o PIS e a Cofins do cálculo do Imposto sobre Serviços (ISS). A decisão aborda mais uma das teses desenvolvidas após o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a retirada do ICMS da base do PIS e da Cofins.
A tese do ISS aproveita o conceito de faturamento ou receita bruta desenvolvido pelos ministros do STF, em 2017, no julgamento sobre o imposto estadual (RE 574706). Esse conceito ficou limitado a receitas advindas da realização do objeto social da empresa e que integram definitivamente seu patrimônio, com a exclusão de valores transitórios.
“Esse mesmo raciocínio deve valer para o ISS”, diz a advogada que representa a construtora na ação, Roberta Gemente, sócia da Roncato Advogados. Ela afirma que analisou as legislações do ISS de muitos municípios e em algumas, como as de São Paulo, Jundiaí (SP), Belém e Campo Grande, consta que a base de cálculo do imposto é o valor do serviço, representado pela receita bruta. Assim, acrescenta, deve restringir-se ao valor líquido da prestação de serviço, com a exclusão dos valores de tributos.
Na prática, segundo Roberta, a liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo nº 2028738-32.201.8.26.0000) pode interessar a todas as prestadoras de serviço localizadas em municípios com legislação que extrapola o conceito de receita bruta definido pelo Supremo.
No município de São Paulo, por exemplo, o artigo 17 do Decreto nº 53.151, de 2012, diz que “a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição”.
O mesmo ocorre em Jundiaí, onde a empresa resolveu entrar com a ação. O artigo 171 da Lei Complementar nº 460, de 2008, afirma que “entende-se por preço do serviço, a receita bruta dele proveniente, sem quaisquer deduções, exceto as previstas nesta lei complementar, ainda que a título de subempreitada de serviço, frete, despesas ou imposto”.
Na decisão que favorece a construtora, a desembargadora Beatriz Braga, da 18ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, considerou cabível a concessão da tutela. “Para tanto, vê-se a existência de controvérsia jurídica sobre a matéria debatida nos autos. Assim, o princípio geral de cautela do magistrado autoriza a concessão da medida pretendida”, diz. A magistrada, contudo, acrescenta que “a medida é reversível e pode ser revogada quando do julgamento do recurso”.
Diante do precedente do STF, segundo o advogado Pedro Moreira, do CM Advogados, os contribuintes têm entrado com ações no Judiciário para excluir o PIS e a Cofins da própria base de cálculo e o ISS do cálculo das contribuições, entre outras.
“Os contribuintes possuem forte fundamento jurídico para tais discussões, o que gera competividade e eficiência aos negócios, podendo, mediante decisão judicial, retirar tais tributos da base de cálculo e, no futuro, ainda restituir o indébito dos últimos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação”, diz.
Sobre a exclusão do PIS e da Cofins do ISS, Moreira destaca que é uma tese recente e esta é a primeira decisão da qual tem notícia neste sentido. “A decisão do TJ-SP indica a plausibilidade da tese, sendo uma boa oportunidade aos contribuintes”, afirma.
Já o advogado Diogo Ferraz, do Freitas Leite Advogados, apesar de também não conhecer outras decisões neste sentido, pondera que a que favorece a construtora ainda parece bastante superficial porque não chegou a entrar no mérito. Contudo, em relação à tese, ele considera a construção interessante, embora seja mais desafiadora do que as outras discussões, principalmente porque, de acordo com a Lei Complementar nº 116, de 2003, a base de cálculo do ISS não é a receita bruta, mas o preço do serviço prestado.
De acordo com Ferraz, embora o preço do serviço integre a receita bruta, juridicamente são conceitos diferentes e economicamente são grandezas distintas. “Além disso, enquanto o ICMS é destacado na nota fiscal e mais claramente repassado ao consumidor, o PIS e a Cofins, em regra, não são destacados na nota, o que dificulta a visualização desse repasse, embora ele certamente ocorra, pois qualquer contribuinte é forçado a embutir os custos tributários nos valores cobrados dos seus clientes”, diz.
No caso desse processo em concreto, afirma o advogado, a discussão se mostra mais viável porque a lei do município de Jundiaí define o preço do serviço como sendo a receita bruta dele decorrente para delimitar a base de cálculo do ISS. “Isso acaba permitindo uma maior vinculação entre o entendimento firmado pelo STF e esse caso concreto.”
Em nota, a Prefeitura de Jundiaí destaca que a decisão é apenas uma liminar que pode ser revertida a qualquer momento pelo TJ-SP, com base na defesa do município. Portanto, acrescenta, “não cabe pronunciamento antes da decisão final da Justiça”.