Marcela Gomes Gambardella, advogada das áreas de direito digital e proteção de dados da Roncato Advogados. LL.M em direito e economia. Artigo publicado no Conjur
No dia 28 de outubro, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou regulamento do Processo de Fiscalização e do Processo Administrativo Sancionador, que entrou em vigor na data de sua publicação e terá seu primeiro ciclo de monitoramento em janeiro de 2022.
Vale lembrar que as sanções administrativas – aquelas dispostas nos artigos 52, 53 e 54 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – entraram em vigor no dia 1º de agosto. Logo, o regulamento aqui em análise vem para estabelecer todos os procedimentos vinculados ao processo de fiscalização, bem como as regras que devem pautar o processo administrativo para a aplicação de sanções.
Dentre os compromissos da ANPD, destacamos a atuação para zelar pelo cumprimento da LGPD. Para tanto, o regulamento traz a forma como o processo de fiscalização deve ser coordenado e os procedimentos para apuração de infrações à legislação de proteção de dados, na fase repressiva de atuação da ANPD.
Em relação ao processo administrativo sancionador, a resolução dispõe que este pode ser instaurado de ofício pela Coordenação-Geral de Fiscalização, em razão de processo de monitoramento ou por requerimento, de maneira imediata, após devida avaliação de admissibilidade pela Coordenação-Geral de Fiscalização. Importante mencionar que não é cabível recurso da decisão de instauração do processo administrativo sancionador.
O regulamento reflete o caráter principiológico da LGPD, vez que prevê em suas disposições que os processos administrativos serão conduzidos com base nos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Ainda, os processos administrativos deverão seguir critérios específicos, como atendimento a fins de interesse público, a adequação entre meios e fins e observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos interessados, por exemplo.
No tocante às fases do processo administrativo sancionador, o regulamento traz o procedimento preparatório como meio para efetuar averiguações preliminares, de ofício ou a requerimento, às situações em que os indícios da prática de infração não forem suficientes para a instauração imediata de processo administrativo sancionador. Há a possibilidade do procedimento tramitar em sigilo. Ao fim dessa fase, caberá à Coordenação-Geral de Fiscalização arquivá-lo ou instaurar processo administrativo sancionador.
Um ponto interessante vinculado à instauração do processo administrativo é a possibilidade de instauração de imediato, sem que seja necessário observar o procedimento preparatório ou adotar medidas de orientação e prevenção, em decorrência da gravidade e da natureza das infrações, dos direitos pessoais afetados, da reincidência, do grau do dano ou do prazo de prescrição administrativa aplicável.
O regulamento ainda prevê a apresentação pelo interessado de proposta de celebração de termo de ajustamento de conduta, que passará por deliberação da Coordenação-Geral de Fiscalização. Caso aprovado, o processo será suspenso e arquivado quando verificado seu cumprimento integral.
A fase de instauração e de instrução, por sua vez, é apresentada no regulamento de forma a privilegiar o contraditório e ampla defesa, e tem seus prazos e formalidades definidos. Visando a celeridade processual e a mitigação de riscos, é possível que a ANPD junte novas provas aos autos e realize diligências, independentemente do prazo de defesa do autuado – desde que garantido o contraditório.
Frise-se que, nessa fase, a ANPD pode admitir a participação de terceiro interessado, a ser avaliada ou solicitada conforme a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia em análise no processo administrativo sancionador.
Em sequência, após a apresentação da defesa do autuado ou decorrido o prazo sem sua apresentação, é elaborado o relatório de instrução, que servirá de base para decisão de primeira instância.
Como efeito, inicia-se a fase de decisão, a qual deverá indicar os fatos e os fundamentos jurídicos e, se for o caso, deve vir acompanhada da sanção cabível. Nessa hipótese, decorrido o prazo para cumprimento da sanção e, se não comprovado seu cumprimento, o processo deverá ser encaminhado para execução e cobrança.
Outro ponto relevante trazido pelo regulamento é a possibilidade de julgamento conjunto. Em outras palavras, a ANPD poderá reunir processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, ainda que não exista qualquer conexão entre eles.
Por fim, o regulamento aborda a fase de recurso, que terá efeito suspensivo limitado à matéria contestada da decisão. Dando continuidade, o regulamento dispõe sobre o juízo de reconsideração da decisão que, quando exercido, não poderá resultar no agravamento da sanção originalmente aplicada.
A ANPD acompanhará o cumprimento da decisão e, na hipótese de haver sanção pecuniária não paga, o débito será encaminhado para inscrição na Dívida Ativa da União.
Adicionalmente, há uma novidade em relação à revisão de processos que originarem sanções administrativas. Nesse ponto, a resolução dispõe que “os processos administrativos que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada”.
No momento, diante de tantas deliberações da ANPD abrangidas pela resolução em análise, cabe aos agentes de tratamento e aos interessados observar criteriosamente suas disposições e/ou assegurar o exercício de seus direitos em caso de descumprimento de norma tutelada pela LGPD.