O E-Commerce e os contratos de colaboração empresarial

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Ursula Ribeiro de Almeida

As medidas de isolamento social para conter a contaminação por coronavírus implicaram em grave crise econômica no Brasil e no mundo. Ainda que o cenário de recessão seja generalizado, um setor conseguiu se destacar: o e-commerce (ou comércio eletrônico). As pesquisas de mercado indicam o crescimento acelerado das vendas pela internet, pois é a única forma de os consumidores adquirirem diversos produtos sem sair de casa.

As vendas por meio de comércio eletrônico podem ser feitas pelo fabricante ou distribuidor do produto em seu próprio site e/ou aplicativo. Ocorre que o desenvolvimento de uma plataforma de vendas online que atenda o cliente com eficiência e qualidade demanda alto investimento em tecnologia e logística. Por isso, as empresas podem optar por vender os seus produtos em plataformas (ou marketplace) já existentes, que dispõem de logística, sistema de pagamento, marketing direcionado, dentre outras ferramentas.

A Roncato Advogados analisa a natureza dos contratos de e-commerce, seja entre o marketplace e os vendedores, como de ambos com os consumidores. Faremos uma comparação entre esses contratos e aqueles previstos na legislação civil para compreender melhor seu alcance e consequências jurídicas, bem como da relação com o consumidor final.

O QUE É E-COMMERCE?

O e-commerce é o comércio de produtos e serviços realizados por meio da internet, seja em site ou aplicativo de celulares e tablets.

Diversos fatores contribuíram para o crescimento exponencial do e-commerce, dentre os quais destacamos: o aumento do número de pessoas com acesso à internet e telefone celular, o desenvolvimento de tecnologias para facilitar a divulgação do comércio virtual, o investimento em segurança das operações eletrônicas e a busca do consumidor por maior conveniência nas suas compras.

A devastadora pandemia de coronavírus que atinge o país favoreceu o crescimento do comércio eletrônico na medida em que o isolamento social é a medida mais efetiva para conter a disseminação da doença. O consumidor pode fazer as compras de produtos e mercadorias de forma segura em lojas virtuais e aplicativos.

 

O QUE É MARKETPLACE?

O marketplace é um shopping virtual que geralmente anuncia produtos diversificados de vários vendedores e fabricantes. Os shoppings virtuais utilizam uma plataforma para gerenciar as vendas, estoques, entregas, trocas e outras questões logísticas.

A vantagem de se vender os produtos em Marketplace é não precisar fazer investimento elevado em desenvolvimento de uma plataforma, que é indispensável para que o produto seja anunciado e entregue ao consumidor.

 

A RELAÇÃO CONTRATUAL MARKETPLACE-VENDEDOR

Conforme esclarecemos acima, a venda de produtos e mercadorias por meio da criação de um site e/ou aplicativo tem custo elevado, que muitos fabricantes e distribuidores não podem arcar em momento de crise econômica. Por isso, a opção mais viável é a sua comercialização em plataformas já existentes, que dispõem dos recursos necessários para divulgação do produto ou mercadoria aos consumidores, pagamento e entrega.

A Roncato Advogados examinou os contratos disponibilizados pelos Marketplaces com atuação mais relevante no mercado e destaca alguns elementos em comum.

1. Objeto contratual. A plataforma veicula o anúncio da mercadoria ou produto e se responsabiliza pela sua disponibilização no seu site e/ou aplicativo, assim como de canal de comunicação entre o consumidor e o vendedor. Cabe ao vendedor fornecer as informações quanto à descrição do produto, estoque disponível e prazo de entrega.

2. Natureza do contrato: Contrato atípico. Os contratos de colaboração empresarial existem desde tempos remotos com a finalidade de fazer a distribuição da mercadoria do produtor para os consumidores. A legislação brasileira regulamenta os tradicionais contratos de colaboração: comissão, agência ou representação comercial, distribuição e corretagem. Os contratos celebrados entre o vendedor e a plataformas não se enquadram em nenhuma das modalidades descritas em lei (contratos típicos), mas contém alguns dos seus elementos. Explicamos.

Comissão. O comissário adquire ou vende bens em nome próprio para vendê-los a terceiro por conta do comitente (art. 693 do Código Civil). Arnaldo Rizzardo explica que nessa modalidade contratual “um comerciante assume a obrigação de realizar atos ou negócios de natureza mercantil, em favor e atendendo instruções de outra pessoa, mas agindo em seu nome, o que determina a sua responsabilidade perante os terceiros com os quais negocia.”1 Ademais, explica Humberto Theodoro Junior que “os produtos do comitente são postos à disposição do comissário, por meio de uma consignação, que o credencia a vendê-los aos consumidores em nome próprio.”2

Diferenças. 1. A plataforma não atua em nome do vendedor, mas sim em nome próprio; 2. A plataforma não tem disponibilidade do estoque do vendedor, mesmo quando disponibiliza serviço de entrega ao consumidor, pois caberá ao vendedor informar seu estoque e a possibilidade de entrega.

Semelhança. Embora os modelos de contrato prevejam que caberá ao vendedor responder perante terceiros pela qualidade do produto, o Código de Defesa do Consumidor impõe tal responsabilidade à plataforma também.

Agência ou representação comercial. O agente ou representante é responsável pela venda, em caráter não eventual, de produto em zona determinada pelo agenciado (art. 710 do Código Civil). As partes do contrato estabelecem a forma de remuneração do representante, a sua atuação com ou sem exclusividade na zona determinada pelo agenciado e os poderes dele para concluir os negócios.

Diferenças. 1. A venda do produto ou mercadoria se dá em caráter eventual, podendo a qualquer momento o vendedor se cadastrar ou se retirar da plataforma; 2. Por se tratar de produto disponibilizado pela internet, a plataforma não está limitada a anunciar o produto ou mercadoria em determinada região.

Semelhanças. 1. O contrato com a plataforma estabelece a remuneração pelo serviço do anúncio, que geralmente é fixado em percentual sobre o produto ou serviço; 2. Informando o vendedor a disponibilidade de estoque, a plataforma tem poder de celebrar a venda com o consumidor final. Caso o vendedor não entregue o produto ou mercadoria, a venda é cancelada e esse poderá até ser excluído da plataforma.

Distribuição. O contrato de distribuição se assemelha com o de agência ou representação comercial na medida em que o distribuidor também comercializa o produto ou mercadoria em determinada área geográfica em nome do fornecedor. A diferença entre esses contratos é que o distribuidor adquire a coisa negociada para revendê-la (art. 710, caput, do Código Civil). Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery descrevem os requisitos do contrato de distribuição: “a) uma das partes tem de ser fabricante ou produtor; b) que haja compra e venda continuada entre produtor e distribuidor; c) que haja vantagens especiais na relação entre produtor e distribuidor; d) que o produto seja fabricado ou produzido pelo próprio produtor; e) o produto tem de ser destinado à revenda; f) que seja delimitada zona geográfica para ser exercida a distribuição.”3

Diferenças. 1. A plataforma não adquire os produtos para revenda, ela apenas os anuncia; 2. O vendedor não está obrigado a oferecer vantagens especiais para venda do seu produto; 3. O vendedor não precisa ser fabricante do produto, basta que não haja restrição para a sua comercialização; 4. A plataforma não tem restrição geográfica para venda do produto.

Semelhança. As plataformas normalmente exigem que o vendedor de produtos e mercadorias se cadastre no seu site e aceitem a proposta de contrato. Assim, pode-se dizer que a finalidade do contrato é estabelecer uma relação continuada.

Corretagem. O contrato de corretagem obriga o corretor, sem vínculo de subordinação ou mandato, a obter negócio para outra pessoa, conforme as suas instruções. Caio Mario Pereira da Silva esclarece que o corretor realiza a intermediação, “pondo o outro contratante em contato com pessoas, conhecidas ou desconhecidas, para a celebração de algum contrato, ou obtendo informes, ou conseguindo o de que aquele necessita.”4 A corretagem não se confunde com a representação comercial, pois o corretor atua de forma eventual e imparcial em relação aos contratantes envolvidos no negócio. O contrato de corretagem é o que mais se aproxima dos contratos celebrados entre a plataforma e seus vendedores, pode-se dizer que é uma subcategoria de corretagem não disciplinada pela legislação.

Diferenças. Os modelos de contrato com plataforma de vendas pela internet contêm cláusulas adicionais que não são previstas na disciplina legal do contrato de corretagem como, por exemplo, políticas de entrega de produtos e serviços, modalidades de cancelamento e classificação do vendedor conforme seu desempenho.

Semelhanças. 1. A plataforma exige que o vendedor apresente as informações mínimas sobre o produto ou mercadoria para informá-la a potenciais adquirentes; 2. A plataforma atua como agente imparcial entre o consumidor e vendedor; 3. A plataforma disponibiliza canais de comunicação entre o consumidor e vendedor.

3. Contrato empresarial. De acordo com Paula Forgioni, “se o vínculo estabelece-se em torno ou em decorrência da atividade empresarial de ambas as partes, premiadas pela busca do lucro, não se deve subsumi-lo à lógica consumerista, sob pena de comprometimento do bom fluxo das relações econômicas.”5 Assim, a relação contratual entre a plataforma e os vendedores não é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, pois se trata de relação entre empresários: um agente que obtém lucro com a comissão pela venda ou anúncio de produtos de terceiros, e outro agente que obtém lucro ao vender seu produto com redução de custo de logística e publicidade.

4. Contrato de adesão. Os fabricantes e distribuidores interessados em anunciar os seus produtos em grandes plataformas precisam examinar atentamente um contrato padronizado e só têm duas opções: aceitar todas as cláusulas ou não aceitá-las. Caso deseje comercializar o produto, é necessário observar todas as exigências impostos ao comerciante, especialmente quanto aos seguintes aspectos:

a) Prazo de entrega do produto;
b) Forma de pagamento e entrega;
c) Comissão devida à plataforma;
d) Política de cancelamento e reclamação;
e) Critérios de exposição dos produtos.

5. Disputa contratual. Como a plataforma geralmente tem atuação no âmbito nacional, é recorrente a previsão de cláusula que discipline o foro competente para solução de eventual conflito com o vendedor. Destaca-se que essas cláusulas se aplicam apenas para a relação contratual entre a plataforma e o vendedor.

Eleição de foro judicial. Alguns contratos elegem uma Comarca (cidade) da Justiça Estadual para solução dos conflitos relativos ao contrato. Assim, por exemplo, se o foro eleito é a Comarca de São Paulo e o vendedor tem sede em Manaus, o processo relativo ao contrato deverá ser ajuizado na cidade de São Paulo e o vendedor precisaria arcar com o custo de atuar como parte de ação judicial que tramita em outro estado.

Arbitragem. Há contratos que preveem a solução de conflitos por juízo arbitral, que exclui a competência do Poder Judiciário. Dependendo da câmara arbitral escolhida, o seu custo pode ser bastante elevado a ponto de ser impossível para alguns vendedores iniciarem o processo arbitral.

6. Responsabilidade tributária. Em regra, a responsabilidade pelo recolhimento dos tributos vendidos na plataforma é do vendedor. Alegando combater a sonegação fiscal, alguns estados modificaram a sua legislação de ICMS para responsabilizar a plataforma em caráter subsidiário pelo recolhimento do imposto caso não seja pago pelo vendedor.

 

O MARKETPLACE E OS GRANDES VENDEDORES: Contrato personalizado

O modelo geral que tratamos acima se aplica para a relação entre os marketplaces de forma geral e os vendedores. Porém, as grandes marcas e vendedores com maior relevância no mercado podem ter uma relação contratual personalizada em que as cláusulas contratuais são negociadas e não pré-estabelecidas pelo marketplace (contrato de adesão).

Estes contratos individualizados também não seguem os modelos tradicionais de contratos de parceria empresarial e têm a vantagem de serem customizados para a necessidade de cada vendedor, podendo ser flexibilizadas as condições de pagamento da remuneração e a forma de exposição dos produtos.

Em síntese, nem todos os vendedores aderem ao mesmo modelo de contrato padronizado dos Marketplace, já que algumas marcas e fabricantes mais influentes podem negociar condições mais adequadas para o seu modelo de negócio.

 

A RELAÇÃO MARKETPLACE E VENDEDOR COM O CONSUMIDOR

A compra e venda de produtos e mercadorias por meio de marketplace é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor. É importante que tanto a plataforma como o vendedor observem os direitos e garantias do consumidor na compra à distância. Destacamos algumas condutas que devam ser observadas:

a) Clareza e observância do prazo de entrega previsto pela plataforma. Caso haja algum atraso, o consumidor poderá efetuar o cancelamento da compra e terá direito ao reembolso do valor eventualmente pago;

b) Direito de arrependimento do consumidor no prazo de 7 (sete) dias após a entrega do produto. O consumidor pode se arrepender da aquisição, ainda que o produto não tenha defeito e observe a descrição constante no anúncio;

c) Descrição minuciosa e detalhada do produto;

d) Proibição de venda de produtos falsificados ou que não respeitem propriedade industrial ou intelectual. A responsabilidade pode ser imputada à plataforma e ao vendedor perante o consumidor;

e) Ranking dos vendedores: a plataforma pode adotar política de avaliação da qualidade do serviço prestado pelos vendedores com base na análise dos consumidores. Cabe à plataforma vetar o uso de xingamentos ou ofensas inapropriadas;

f) Prazo de garantia legal;

g) Vedação de venda casada.

Online Dispute Resolution. É recorrente a disponibilização pelas plataformas de meios consensuais de solução de conflitos entre o vendedor e o consumidor. Cabe ao vendedor estar preparado para negociar e dialogar com o consumidor por meio das ferramentas disponibilizadas pelo Marketplace e, assim, evitar a judicialização do conflito. A plataforma geralmente faz a intermediação da negociação e tem poder decisório na medida em que pode recusar repassar o pagamento do produto ao vendedor caso haja algum defeito, atraso ou outra reclamação fundada do consumidor, assim como não aceitar a devolução de produto ou do preço se a reclamação do consumidor não for fundamentada. Independentemente do posicionamento do Marketplace, o vendedor e o consumidor podem levar a questão para ser solucionada pelo Poder Judiciário.

 

 

1 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 705.
2 THEODORO JUNIOR, Humberto. Do contrato de agência e distribuição novo Código Civil. In: FINKELSTEIN, Maria Eugênia (Coord.). Direito empresarial: títulos de crédito e contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 442.
3 NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de Direito Civil, 2ª ed., vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 845.
4 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 365.
5 FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 31-32.

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