COVID-19 | A FLEXIBILIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – PARTE II (MP n° 936)

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Autores: Ursula Ribeiro de Almeida | William Aparecido da Silva

O aprofundamento da crise econômica decorrente do coronavírus tem impacto direto no aumento do índice de desemprego. De um lado, parte substancial do setor empresarial se vê diante da desaceleração das suas atividades e, consequentemente, impossibilitado de manter todos os seus empregados. De outro, é necessário assegurar a manutenção do emprego do trabalhador, especialmente daquele de baixa renda, para evitar o caos social. 

Como algumas atividades ficarão paralisadas, ou muito reduzidas, durante o período de calamidade pública, o governo federal adotou uma série de medidas para tentar conter o crescimento do desemprego:

  •  flexibilização do contrato de trabalho durante o período da crise (MP n° 927);
  • prorrogação do vencimento e parcelamento do FGTS;
  • liberação de recursos destinados a linhas de créditos especiais para financiamento da folha de pagamento (Leia mais);
  • redução das alíquotas do Sistema “S”.

Em 22 de março a Presidência da República havia editado a Medida Provisória n° 927, que possibilitava a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, dentre outras medidas (Leia mais). Diante das duras críticas, o referido dispositivo legal foi revogado no dia seguinte, em 23 de março, pela Medida Provisória n° 928. No entanto, a Medida Provisória n° 936, publicada no dia 1° de abril, restabeleceu a suspensão do contrato de trabalho, sob novas condições, e permite a redução da jornada de trabalho e salário. A Roncato Advogados esclarece a seguir os principais aspectos a serem observados pelo empregador. 

O CARÁTER PROVISÓRIO DA MP N° 936

A medida provisória é um ato normativo editado pelo Presidente da República com força de lei, que tem eficácia provisória de até 120 dias. O Chefe do Poder Executivo pode editar MP em caso de relevância e urgência, que será submetida à apreciação do Congresso Nacional, que poderá: a) aprová-la nos mesmos termos em que consta no texto elaborado pela Presidência; b) aprová-la com emendas; c) rejeitá-la; ou d) não apreciá-la no prazo de sua vigência (120 dias) e, assim, ela deixa de produzir efeitos. 

As mudanças nas regras que disciplinam as relações de trabalho têm natureza provisória por dois motivos. O primeiro deles é a sua previsão em medida provisória, que deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional e poderá não ser aprovada nos termos em que foi editada pelo Chefe do Executivo. O segundo é que as novas regras se aplicam apenas durante o período de calamidade pública. 

DISPOSIÇÕES GERAIS 

Relações de trabalho da iniciativa privada. As medidas previstas no Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda incidem somente sobre as relações de trabalho da iniciativa privada, inclusive de aprendizagem e com jornada parcial. 

A legislação expressamente prevê que as regras não se aplicam aos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), aos órgãos da administração pública direta e indireto, às empresas públicas, às sociedades de economia mista, inclusive as suas subsidiárias, e aos organismos internacionais. 

Empregados beneficiados. A possibilidade de redução de jornada de jornada/salário e suspensão do contrato de trabalho, compensada com o pagamento de benefício, são aplicáveis aos seguintes casos:

Redução de até 25% da jornada/salário. Todos os empregados, podendo ser estabelecido por acordo individual ou coletivo

Redução de jornada/trabalho superior a 25% e suspensão temporária do contrato de trabalho

a) pode ser celebrado por acordo individual ou coletivo com empregados que:

        • recebam salário igual ou inferior a R$ 3.135,00;
        • sejam portadores de diploma de nível superior e recebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios da Previdência Social (R$ 12.202,12)

b) somente pode ser celebrado por convenção ou acordo coletivo nos demais casos

Garantia provisória do emprego. O empregado que tiver redução de jornada/salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho tem direito de permanecer no emprego durante o período de redução ou suspensão e, depois do seu término, por período subsequente equivalente. Ou seja, se o contrato de trabalho foi suspenso por 30 dias, o empregado terá direito de permanecer no emprego durante esse período e nos 30 dias subsequentes. 

Rescisão sem justa causa. Se durante o período de suspensão o empregado for dispensado sem justa causa, ele terá direito de receber as verbas rescisórias e indenização equivalente a:

      • 50% do salário: redução de jornada/salário igual ou superior a 25%;
      • 75% do salário: redução de jornada/salário de 50 ou 70%;
      • 100% do salário: redução de jornada/salário superior a 70% ou suspensão temporária do contrato de trabalho.

Rescisão com justa causa. Não é devido qualquer adicional na hipótese de dispensa com justa causa. 

Convenção ou acordo coletivo. As medidas de redução de jornada e salário ou a suspensão do contrato de trabalho podem ser realizadas por meio de negociação coletiva, observando-se as regras gerais estabelecidas pela MP n° 936. Os acordos ou as convenções coletivas celebrados anteriormente poderão ser renegociados. 

Acordo individual e sindicato. Os acordos individuais de redução de jornada de trabalho/salário e suspensão temporária do contrato de trabalho deverão ser informados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até 10 dias corridos, contados da data da sua celebração.

A REDUÇÃO DE JORNADA E SALÁRIO

A proposta do empregador. O empregador poderá propor a redução da jornada de trabalho com, no mínimo, dois dias corridos de antecedência, observando-se os seguintes requisitos:

Prazo. O prazo máximo é de 90 dias ou a cessação do estado de calamidade pública, se esta ocorrer antes de 90 dias;

Redução jornada. Acordo individual. A redução da jornada somente pode ser de 25%, 50% ou 70%.

Redução jornada. Acordo coletivo. A redução da jornada pode ser estabelecida em percentual diverso do acordo individual.  

Redução salário. O salário é reduzido na mesma proporção da jornada, devendo ser mantido o valor do salário-hora de trabalho. 

Forma. A MP n° 936 exige que o acordo individual seja celebrado por escrito.

A recusa do empregado. O empregado poderá não concordar com a modificação do contrato de trabalho. Diante da crise econômica, o empregador continua tendo a opção de rescindir o contrato de trabalho e pagar as verbas trabalhistas devidas. Destaca-se que a mera recusa na aceitação da proposta de redução de jornada/salário não configura justa causa para rescisão do contrato de trabalho. 

Do caráter provisório da redução. Se o empregado concordar com a proposta, o seu contrato de trabalho é modificado apenas provisoriamente, até o prazo de 90 dias ou da cessação da calamidade pública. Após esse período, o contrato de trabalho retorna às condições originárias. 

Rescisão unilateral. É possível que antes do prazo previsto no acordo individual, o empregador precise que o empregado retorne à sua jornada de trabalho regular. Nesse caso, o acordo pode ser rescindido unilateralmente pelo empregador, por meio da prévia comunicação com dois dias de antecedência.

A SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO

A proposta de suspensão. O empregador poderá propor a suspensão temporária do contrato de trabalho ao empregado com, no mínimo, dois dias corridos de antecedência, observando-se os seguintes requisitos:

Prazo. O prazo máximo é de 60 dias, que pode ser fracionado em até dois períodos de 30 dias.

Pagamento mínimo. Regra geral. Durante o período da suspensão do contrato, o empregado não receberá salário, mas continuará tendo direito aos benefícios concedidos pelo empregador, como, por exemplo, vale refeição e plano de saúde. 

Pagamento mínimo. 30% do salário. A empresa que teve receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 no ano-calendário de 2019 deverá pagar uma ajuda compensatória mensal de 30% do salário do empregado durante a suspensão do contrato de trabalho. 

Forma. A MP n° 936 exige que o acordo individual seja celebrado por escrito. 

A recusa do empregado. O empregado poderá não concordar com a modificação do contrato de trabalho. Diante da crise econômica, o empregador continua tendo a opção de rescindir o contrato de trabalho e pagar as verbas trabalhistas devidas. Destaca-se que a mera recusa na aceitação da proposta de redução de jornada/salário não configura justa causa para rescisão do contrato de trabalho. 

Do caráter provisório da suspensão. Após dois dias corridos da cessação do estado de calamidade pública ou do termo final do acordo, o trabalhador tem o direito de retornar ao emprego. 

Rescisão unilateral pelo empregador. É possível que antes do prazo previsto no acordo, o empregador precise que o empregado retorne ao trabalho. Nesse caso, o acordo pode ser rescindido unilateralmente pelo empregador, por meio da prévia comunicação com dois dias de antecedência. Ao retomar as suas atividades, o empregado terá direito de receber o salário e os demais benefícios trabalhistas.

Descumprimento do acordo e penalidades. Se o empregado mantiver as atividades de trabalho, mesmo que parcialmente ou não presencialmente, o contrato de trabalho volta a vigorar e o empregador deverá pagar a remuneração e os encargos sociais devidos, assim como está sujeito às penalidades previstas em lei e convenção ou acordo coletivo.

BENEFÍCIO EMERGENCIAL (GOVERNO) E AJUDA COMPENSATÓRIA (EMPREGADOR)

A MP n° 936 prevê a compensação da redução ou não recebimento do salário provisoriamente com o pagamento de benefício ao empregado, que pode ser complementado pelo empregador. 

Governo Federal. Benefício. O governo federal pagará o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda aos empregados que tiveram redução de jornada de trabalho/salário ou suspensão do contrato de trabalho até o limite do valor do seguro-desemprego (R$ 1.813,03).

Empregador. Ajuda compensatória voluntária. O empregador poderá complementar o pagamento do benefício com verba compensatória mensal, que tem natureza indenizatória e não salarial, consequentemente:

  • Não integra a base de cálculo do imposto de renda retido na fonte ou da declaração de ajuste anual sobre a renda do empregado;
  • Não integra a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários;
  • Não integra a base de cálculo do FGTS; 
  • Pode ser excluída do lucro líquido para fins de apuração do IRPJ e da CSLL das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real. 

Empregador. Ajuda compensatória obrigatória. Lembramos que a empresa que teve receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 no ano-calendário de 2019 deverá pagar uma ajuda compensatória mensal de 30% do salário no caso de suspensão do contrato de trabalho. Destacamos que o referido pagamento também não é considerado salário, mas sim verba indenizatória, com todos os efeitos legais descritos no tópico anterior.

A JUDICIALIZAÇÃO DA MP n° 936: ADI 6363/STF

Um dia depois da publicação da MP n° 936, o Partido Rede Sustentabilidade ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6363) no Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade de alguns dispositivos legais e requerer a imediata suspensão da sua aplicação ao relator (Ministro Ricardo Levandoski). Vejamos.

Redução de jornada/salário por acordo individual. Afirma o autor da ação que os dispositivos legais que autorizam a redução da jornada de trabalho e do salário por meio de acordo individual seria inconstitucional por violar a garantia de irredutibilidade de salário e de jornada de trabalho, que só pode ser afastada por acordo ou convenção coletiva (art. 7°, VI e XIII, da Constituição Federal).

Impossibilidade de alteração de negociação coletiva por acordo individual. Os dispositivos que autorizam a modificação de direito estabelecido em negociação coletiva por acordo individual também violaria a garantia constitucional atribuída à convenção ou acordo coletivo de trabalho (art. 7°, XXVI, e art. 8°, III e IV, ambos da Constituição Federal). Ademais, as Convenções da Organização Internacional do Trabalho reconhecem a preponderância da negociação coletiva.

Princípio da vedação do retrocesso social. Indica genericamente que a MP n° 936 representaria retrocesso na garantia de direitos sociais. 

Medida cautelar. O Autor da ADI requereu a concessão de medida cautelar para que sejam suspensos cautelarmente os seguintes dispositivos da MP n° 936:

  • o art. 11, §4°, que prevê a possibilidade de acordo individual para redução de jornada de trabalho e de salário e suspensão do contrato de trabalho;
  • art. 12 que estabelece diferenciação entre os trabalhadores, com base no seu salário, que poderão participar do Programa Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda. 
  • expressão “individual escrito entre empregador e empregado” do art. 7°, caput, II;
  • expressão “individual” do art. 7°, par. único II;
  • “individual escrito entre empregador e empregado” do art. 8°, § 1°;
  • “individual” do art. 8°, § 3°, II;
  • “no acordo individual pactuado ou” do art. 9°, § 1°, I. 

Contraditório. Em regra, antes da apreciação da medida cautelar serão ouvidos o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República. 

Amicus curiae. Poderão ainda se manifestar amicus curiae, ou seja, entidades que possam apresentar elementos de natureza fática, jurídica, econômica, política, filosófica, dentre outras, sobre a matéria que sejam relevantes para o exame da questão. É importante que diferentes setores da sociedade se mobilizem para intervir no processo nesta fase preliminar para municiar os Ministros do Tribunal com informações que lhes permita tomar a melhor decisão possível no atual cenário.

Maioria absoluta. A apreciação da medida cautelar é de competência do Plenário da Corte e será concedida se houver voto favorável da maioria absoluta dos Ministros. 

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