Autora: Ursula Ribeiro de Almeida
O vírus SARS-CoV-2, ou coronavírus, provocou impacto global sem precedentes. As autoridades adotaram medidas extremas para conter a expansão do vírus, tal como fechamento de fronteiras, suspensão de aulas presenciais nas escolas e Universidades e até mesmo restrição de circulação nas ruas. No Brasil vemos o fechamento temporário de museus, cinema, teatros, shopping centers, bem como cancelamento de eventos esportivos e corporativos. Em Portugal e na França a situação é ainda mais grave devido à proibição de circulação de pessoas nas ruas, salvo se houver justificativa comprovada.
Além da preocupação com os efeitos do coronavírus na saúde pública, também é fator de incerteza a crise econômica global de dimensão ainda não totalmente mensurada. Todos os setores da sociedade estão engajados no enfrentamento deste período turbulento. As autoridades governamentais implementam ações para tentar reduzir a depressão econômica, seja por meio da prorrogação no prazo de pagamento de tributos, como pela criação de linhas especiais de créditos e auxílio financeiro aos trabalhadores. Os meios de comunicação contribuem com informações sobre as formas de prevenção da doença, a divulgação das medidas governamentais e constante atualizações quanto à evolução da contaminação. A sociedade civil se mostra, de forma geral, consciente da gravidade do problema e colaborativa.
Diante do quadro de recessão econômica mundial, os efeitos da crise variam nos diferentes setores produtivos. No Brasil, os supermercados e farmácias estão em franco crescimento nas suas vendas, enquanto lojas de roupas, sapatos e serviços sofrem com a paralisação ou desaceleração das suas atividades. Diagnosticado o quadro grave da situação econômico-financeira, fica a questão: o que fazer? Não existe resposta única para o problema, mas negociação é a palavra-chave para mitigar os impactos negativos.
As dificuldades da negociação em tempos de crise generalizada e o papel da mediação
A negociação pode se dar no âmbito das relações entre diferentes atores, desde o Poder Público até as relações pessoais e familiares. A crise de saúde pública provocada pela COVID-19 e suas consequências econômicas levaram à intensificação das negociações no âmbito local, regional e global. Trazemos a título exemplificativo a colaboração entre os países quanto às informações e medidas para conter a disseminação do coronavírus, com destaque para a China, que teve os primeiros casos registrados. No âmbito regional, a União Europeia estuda medidas coordenadas para evitar a propagação ainda maior da doença, assim como auxílio financeiro para os seus Estados-membros. No Brasil temos diversos governos locais que negociam com setores empresariais para fechamento do comércio e suspensão de atividades educacionais e culturais. Caso o Poder Público não tivesse estabelecido previamente o diálogo com os agentes privados, haveria o risco de uma enxurrada de mandados de segurança e outras ações judiciais para suspender a vigência dos decretos estaduais e municipais.
Ainda que exista um esforço conjunto para enfrentar a fase de turbulências, muitos conflitos podem não ser superados com a negociação entre os agentes envolvidos em razão do caráter inédito da situação atual. Mencionamos a título exemplificativo as dificuldades enfrentadas por governos locais para convencer alguns templos religiosos a suspenderem as suas atividades; enquanto as autoridades se esforçam para evitar a aglomeração de pessoas, as entidades religiosas querem oferecer um local de conforto para os seus fiéis em um momento de crise. No âmbito das relações privadas se antevê os litígios quanto ao inadimplemento de contratos e eventual conflito entre sócios em razão da drástica redução de faturamento das empresas, assim como a incerteza do setor de serviços diante de clientes insatisfeitos e impossibilidade de manter o mesmo quadro de funcionários.
A mediação dos conflitos com o Poder Público e entre os agentes privados é uma das alternativas disponíveis para tentar se resolver os conflitos de forma mais efetiva e célere.
As vantagens da mediação para os conflitos empresariais no cenário inédito de crise econômica
A mediação é um método consensual de solução de conflito no qual as partes contam com auxílio de um terceiro imparcial, o mediador, para restabelecer a comunicação e, se possível, celebrar acordo. A mediação pode ser promovida por entidades privadas e também é disponibilizada por diversos tribunais no país. Ela pode ser uma das ferramentas para superação da crise em razão das suas características.
Litígios sujeitos à mediação. Estão sujeitos à mediação os “direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação” (art. 3°, caput, da Lei n° 13.140/2015), que abrange conflitos empresariais, familiares e até mesmo com o Poder Público. O exemplo citado acima quanto ao conflito entre templos religiosos e governos locais poderia ser submetido à mediação, assim como entre uma empresa e seus fornecedores. Na situação de crise econômica severa, ambos os lados do conflito muitas vezes têm razão, porém a falta de recursos impede que o direito de ambos seja integralmente satisfeito. A alternativa que resta é buscar um ponto de equilíbrio em que ambos não serão plenamente atendidos, mas minimizam o seu prejuízo.
Voluntariedade. As partes envolvidas no conflito podem optar pela mediação, seja antes ou depois do ajuizamento de ação judicial ou arbitral. Caso elas optem pela busca da solução consensual, existem diferentes centros de mediação qualificados que podem indicar mediador que tenha experiência e conhecimento no setor empresarial, assim como prover a estrutura necessária para as reuniões presenciais ou por meio remoto. Após o início da mediação, qualquer uma das partes pode optar por não prosseguir na tentativa de solução de acordo, sem que isso implique em prejuízo para a tutela do seu direito, já que se suspende o prazo prescricional. Caso haja processo judicial em andamento, a desistência de prosseguir na mediação não pode ser valorada negativamente.
Confidencialidade. Seja na mediação judicial como na extrajudicial, as partes, o mediador e os demais sujeitos que atuaram na mediação devem manter o sigilo de todas as comunicações. Assim, em um quadro de crise, os agentes econômicos não estão sujeitos à exposição pública da sua dificuldade de negociar, como ocorre no processo judicial. Na mediação se preserva também o sigilo das operações e informações financeiras relacionadas com o conflito.
Igualdade. Assim como devem ser as relações comerciais, as partes do conflito são tratadas com igualdade pelo mediador, que além de ser qualificado para exercer a sua função, também tem o dever de atuar com imparcialidade. Ou seja, as partes podem negociar em um ambiente neutro e seguro.
Celeridade e efetividade. O tempo de duração da mediação depende da vontade das partes. É possível que se obtenha acordo na primeira reunião de mediação, ou talvez seja necessário várias reuniões e tempo para analisar todos os cenários e hipóteses. Caso uma das partes não esteja mais disposta a prosseguir em razão da demora, pode-se desistir de prosseguir com a mediação.
Custo-benefício. O custo da mediação para as partes depende de alguns fatores. Caso se opte por realizar a mediação em uma instituição privada, é necessário verificar o valor cobrado de taxa pela referida instituição, assim como os honorários do mediador. Na mediação judicial as custas são estabelecidas pelos respectivos tribunais. Certamente esses custos são menores do que uma arbitragem e, dependendo do valor objeto da discussão, provavelmente é inferior às custas e taxas judiciárias. Em um contexto de grave crise econômica, a redução de custos para solução dos litígios é mais do que necessária.
Advogado. Na mediação privada a respeito de direitos disponíveis, a intervenção do advogado não é, em regra, necessária, porém é recomendável que a negociação seja acompanhada por advogado para que o eventual acordo atenda efetivamente os interesses das partes. Caso uma das partes seja representada por advogado e a outra não, o mediador está obrigado a suspender a mediação para que ambas tenham representação técnica. Portanto, o ideal é que se compareça na mediação acompanhado de advogado. Na mediação judicial a representação por advogado é obrigatória.
Acordo. O objetivo da mediação é que as próprias partes construam a solução do seu problema, com o auxílio de um terceiro qualificado e imparcial. Ao contrário do processo judicial, a solução do conflito decorre do diálogo entre as partes, não é uma imposição do poder estatal. Dessa forma, há maior probabilidade de o conflito ser efetivamente solucionado, enquanto nos processos judiciais o litígio normalmente se arrasta por anos a fio porque a parte sucumbente não se conforma com o resultado e, não raramente, a parte vitoriosa não obtém o benefício desejável.
Considerações conclusivas
A COVID-19 é uma grave ameaça à saúde pública, que, para ser contida, está causando um desastre na economia global. A crise econômica é fonte de sucessivos conflitos em todas as instâncias da sociedade, que muitas vezes são superados pela negociação. Quando a negociação feita diretamente entre as partes não for suficiente, a mediação é uma alternativa para solução dos conflitos empresariais, já que mantém os agentes econômicos no controle da situação e se preserva o sigilo das operações discutidas. Como a mediação é baseada no diálogo, a tendência é que as partes consigam retomar as suas relações comerciais depois de celebrarem acordo, ao contrário do que frequentemente ocorre após uma demanda judicial.