Quando Aline*, 27, começou a estagiar em uma agência de comunicação em São Paulo (SP), lhe foi prometido um ambiente comprometido com a diversidade. Uma mulher comandava a agência e ela, aparentemente, seguia ideais feministas. Mas a realidade foi outra: Aline testemunhou uma das funcionárias, que estava grávida na época, ouvir da superior que “o trabalho não era uma creche” e que ela “não deveria ter engravidado”.
Xingamentos machistas também eram constantemente direcionados às funcionárias, mas o setor de recursos humanos da empresa não permitiu que uma denúncia de assédio moral fosse aberta contra a dona, para “não manchar sua imagem”, segundo Aline.
Casos de assédio moral no trabalho não são exatamente novidade. Mas muitas acreditam que o fato de ter um chefe mulher diminuiria a incidência por haver uma empatia maior com as funcionárias. Na prática, nem sempre isso acontece.
A paulista Karina*, 28, passou por uma situação parecida: trabalhando em um consultório odontológico, ela e suas colegas constantemente ouviam desaforos da chefe dentista que dizia ser feminista e preocupada com os direitos das mulheres.
“Certo dia, ela estava muito irritada e não foi ao consultório. Ela mandou a empregada doméstica dela ir até lá levar algumas coisas e entregar uma carta para nós. Na carta, para nossa surpresa, havia vários xingamentos. Ela usou uma folha sulfite inteira, dividida em duas colunas, com ofensas. Fora os gritos, humilhações, menosprezo no dia a dia”, relata.
As funcionárias não denunciaram formalmente a chefe por medo de perder o emprego do qual dependiam. Depois, descobriram que a superior tinha crises sérias que impulsionavam o comportamento agressivo, e que ela começou a fazer tratamento para controlar a situação.
O que faz mulheres se tornarem abusivas?
Milva Pagano, advogada e presidente executiva da ABPRH – Associação Brasileira dos Profissionais de RH, afirma que o principal fator que leva as chefes a adquirirem uma postura agressiva é a pressão, apesar de se considerarem feministas.
“As pessoas tendem a achar que elas precisam endurecer e assumir determinadas posturas para evoluir profissionalmente, mas são crenças equivocadas. Eu percebo em algumas mulheres, com tristeza, que elas adotam posturas consideradas masculinas para competir com os homens no ambiente de trabalho, e elas não precisam disso”, avalia.
Adriana Barreto, coordenadora da área trabalhista do escritório Roncato Advogados, de São Paulo (SP), também acredita na teoria. “O que a gente observa, inclusive em pesquisas, é que as mulheres são as maiores vítimas e, na maior parte das vezes, o assédio é praticado por homens. Acho que o principal motivo dessa mudança é que elas estão exercendo cargos de gestão e, quando assumem, acabam adquirindo a conduta de alguns homens”, pensa.
Como lidar com o assédio?
O assédio moral se configura por ações recorrentes de humilhação praticadas geralmente por um superior a um subordinado no ambiente de trabalho, durante a jornada dos funcionários. Quem explica isso é Adriane Oliveira, coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da UNISUAM, do Rio de Janeiro (RJ).
“O assédio vem para acertar a intimidade do trabalhador a ponto de fazê-lo odiar o trabalho. O correto a se fazer, nesses casos, é recorrer ao RH da empresa, e o melhor é que a funcionária não faça a denúncia sozinha, porque assim teria uma testemunha”.
Barreto aconselha que, além da testemunha, a mulher assediada tenha registros de tudo o que ocorreu, para provar que era uma prática contínua. “Ela tem o direito de fazer a gravação de uma conversa feita pessoalmente e pode usar esse meio como prova”, diz. Emails, mensagens de texto e outros documentos com datas marcando as ocorrências também ajudam.
Já Milva orienta que o RH não tem o direito de impedir os funcionários de denunciar seus gestores. “Quando eles recebem esse tipo de comunicado, é dever do RH acalmar o empregado, mas não abafar o caso”. No caso de empresas pequenas, que não possuem o setor, ou quando a própria companhia não resolve o problema, o mais aconselhável é abrir um processo.
“Nessa situação, o primeiro passo é procurar um advogado trabalhista, que vai saber lidar melhor com isso e poderá dizer se o caso configura assédio moral ou não. A partir daí, ele é tratado como ação judicial contra a empresa ou contra o gestor”, explica.
Fonte: UOL