Por Ursula Ribeiro de Almeida. Artigo publicado no Estadão
Antes mesmo do início oficial das campanhas eleitorais, o TikTok se revelou a nova sensação da campanha eleitoral de 2022. Mais do que oferecer espaço para entretenimento por meio de danças e dublagens, o TikTok se mostra importante ferramenta para as campanhas divulgarem vídeos curtos e despojados, que despertam a atenção dos usuários de forma leve e sem que pareça uma peça eleitoral.
Há alguns anos era inimaginável que uma rede social como o TikTok pudesse se tornar um canal de comunicação de campanha eleitoral. Esse processo de mudança começou em 2018, quando os métodos tradicionais utilizados pelos partidos políticos foram surpreendidos pelo poder da internet. Até então, o tempo do programa eleitoral e a produção de peças publicitárias para a TV eram elementos essenciais para o marketing político, já que esse era o principal espaço para comunicação em massa com o eleitor. No entanto, o candidato vitorioso de 2018 – que dispunha de 8 segundos no horário eleitoral gratuito na TV e no rádio – utilizou as plataformas, especialmente o Facebook e o WhatsApp, como meios principais de divulgação de sua campanha.
As mentiras e notícias falsas em eleições são problemas históricos que as grandes democracias enfrentam. Porém, a inserção das plataformas digitais nas campanhas eleitorais trouxe nova dimensão para a disseminação de desinformação, a ponto de colocar em risco a própria democracia e o processo eleitoral. As redes sociais e os aplicativos de mensagem permitem a rápida disseminação de fake news, seja por meio do compartilhamento orgânico entre usuários, como também com a divulgação impulsionada ou patrocinada.
Em 2018 os partidos políticos, os candidatos, a Justiça Eleitoral e a sociedade brasileira não estavam prontos para entender e enfrentar o problema das fake news, permitindo a aguda contaminação do debate eleitoral por notícias falsas.
Porém, as instituições reagiram nos anos seguintes por meio de diferentes iniciativas, incluindo o Projeto de Lei 2630/2020 e o Inquérito do Supremo Tribunal Federal para investigar fake news. Em 2019, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE publicou a Portaria n. 663, que instituiu o Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições de 2020. Considerando a importância do combate à desinformação para a integridade da democracia, o TSE instituiu o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação no âmbito da Justiça Eleitoral pela Portaria n. 510, de 04/08/2021.
No início de 2022, o TSE celebrou memorandos de entendimento com o WhatsApp, o Twitter, o Facebook, o TikTok, o Google, o Kwai e o Telegram, que assumiram compromissos, de forma geral, de contribuir com a comunicação do TSE com os eleitores, a implementação de iniciativas de alfabetização midiática e a capacitação para enfrentamento da desinformação, incluindo seminários com servidores do TSE e Tribunais Regionais Eleitorais, cartilha educativa e criação de canal de comunicação extrajudicial para reportar contas suspeitas e falsas. Além disso, o TSE criou um serviço de sistema de alerta de desinformação contra as eleições, destinado ao envio de denúncias.
Além das fake news, também é necessário enfrentar a disseminação das deepfakes. Trata-se de manipulação de vídeos com uso de inteligência artificial em que se pode fazer montagens para simular falas e comportamentos. Há pouco tempo esse tipo de tecnologia era restrita ao mundo do cinema, que a utilizava para efeitos especiais. Entretanto, hoje existem até mesmo aplicativos de celular que permitem a adulteração de vídeos. As deepfakes têm alto potencial de dano porque é muito difícil para pessoas comuns identificar a adulteração de vídeos. A depender da qualidade da edição, somente pessoas especializadas conseguem verificar que se trata de vídeo adulterado.
O maior uso de vídeos no formato do TikTok associado com as deepfakes demanda ainda maior atenção das autoridades no combate às notícias falsas. Nesse sentido, o Ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, adota postura firme no combate à desinformação. Na prática, existem muitos desafios a serem enfrentados, como definir o que é fake news, dar efetividade à decisão que determina a remoção de notícias falsas depois que viralizaram, identificar os responsáveis por criar e disseminar fake news, dentre tantos outros. Ainda assim, as recentes decisões do TSE mostram a disposição da Justiça Eleitoral de enfrentar os desafios. Citamos a título exemplificativo a controversa rejeição do pedido de remoção de postagens feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, que associavam o governo de Lula ao Primeiro Comando da Capital (PCC), pois se entendeu que as mensagens não seriam fake news. Por outro lado, o TSE determinou que a ex-ministra Damares Alves retirasse do ar publicações referentes ao candidato Lula, na qual afirmava que durante o seu governo foram distribuídas cartilhas para ensinar jovens a fumar crack, já que se tratava de informação falsa.
O combate à desinformação é um desafio global. A Comissão Europeia foi uma das primeiras entidades a reagir em busca da proteção da democracia. A sua ação inicial foi a publicação de um Código de Prática sobre Desinformação ao qual as plataformas foram convidadas a aderir. Em 16 de junho de 2022 foi publicada a versão atualizada do Código, com aprimoramento das ferramentas de controle e combate à desinformação, que inclui 44 compromissos e 128 medidas específicas. A adesão ao Código é voluntária até o momento e impõe aos signatários a implementação das medidas no prazo de 6 meses e apresentação de relatório com detalhamento da adoção dos compromissos. Ainda que não seja obrigatório, o Código está vinculado ao Projeto de Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA) que regula os serviços prestados pelas plataformas digitais e prevê penalidades de até 6% do faturamento anual global do infrator. De acordo com o DSA, o Código de Prática se tornará um Código de Conduta e vai impor que grandes plataformas adotem medidas de identificação e mitigação de risco, o que inclui a adoção dos 44 compromissos e 128 medidas específicas.
A iniciativa da Comissão Europeia coloca pressão nas plataformas digitais para adoção de melhores práticas de combate à desinformação, que também traz reflexos no Brasil, já que muitos instrumentos e ferramentas são implementados no âmbito global de atuação das gigantes de tecnologia. É importante que as autoridades brasileiras observem os passos da Comissão Europeia em busca do aprimoramento do combate à desinformação para que não fique restrito ao TSE no contexto eleitoral. Dentre as medidas previstas no Código de Conduta europeu que podem ser incorporadas no contexto brasileiro destacamos a desmonetização para cortar incentivos financeiros aos disseminadores de fake news, a transparência de anúncios políticos e exigência de relatórios periódicos quanto à adoção das medidas de mitigação de divulgação de notícias falsas.