Marcela Gomes Gambardella, advogada das áreas de direito digital e proteção de dados da Roncato Advogados. LL.M em direito e economia. Artigo publicado no Estadão
O uso de tecnologias digitais que facilitam a comunicação e otimizam o tempo vem alcançando a grande maioria da população mundial. O jeito de se informar mudou; hoje é mais fácil, rápido e mais barato difundir e receber informação. De tantas vantagens patentes, é evidente, também, que a democratização da informação se torna dia a dia mais perigosa.
Atualmente, o consumo de notícias se dá, constantemente, por mídias sociais, decorrentes das mais variadas fontes de informação, não raro, de maneira superficial. Pesquisa aponta que o Brasil é o segundo país na lista de países com maior quantidade de usuários do WhatsApp, por exemplo, sendo o aplicativo mais utilizado por brasileiros.
Notícias que, antes, eram apuradas por jornalistas e publicadas em grandes veículos de comunicação, hoje são criadas por quem quiser propagar o que julga conhecer ou, ainda mais perigoso, por quem propositalmente visa difundir a desinformação e/ou provocar reações em massa a partir de mentiras criadas.
Em um ambiente abundante de informação como a internet, a qualidade das informações que, de fato, chegam até grupos, é intrigante e merece uma atenção especial. Dentre os principais problemas informacionais existentes atualmente, destaca-se o intenso uso de fake news e, mais recentemente, das deepfakes, propagadas em bolhas específicas de conteúdo. Não é necessário ir tão longe para se entender o porquê disso afetar toda uma sociedade a níveis críticos.
A princípio, informa-se que ambas as formas de manipulação da informação são perigosas e provocam consequências desmedidas, mas são peças diferentes dentro do campo informacional.
Enquanto as fake news são informações falsas, produzidas em cima de inverdades e erros que, muitas vezes, quem propaga acredita ser verdade, as deepfakes são elaboradas de forma deliberada, a partir de técnicas ainda complexas de manipulação de fotos e vídeos com o uso de inteligência artificial. Para as duas formas, há camadas para construção de narrativas que atingem objetivos críticos. No campo eleitoral não seria diferente.
São muitas as tendências de propagações de fake news e deepfakes no contexto eleitoral. No entanto, a lógica aplicada não é específica ao cenário das eleições.
A técnica para direcionamento de fake news e deepfakes é produto de uma combinação do uso de algoritmos para identificação de vieses comportamentais, capazes de entender a fonte e o tipo de informação que o indivíduo/eleitor quer consumir e qual será mais interessante para ele naquele momento. Isto é, qual informação apresenta maior tendência de aceitação pelo eleitor a partir das suas preferências ou do que ele já acredita ser verdade e demonstra concordância.
Ainda que o objetivo em uma análise ampla seja a desinformação ou manipulação de fatos, cada qual tem suas especificidades. As fake news são velhas conhecidas e muito mais fáceis de serem propagadas, já que podem ser criadas por qualquer pessoa, sem o uso de ferramentas avançadas. As deepfakes são mais complexas, vez que, para atingir seus propósitos, devem ser criadas para transformar a realidade. Em outros termos, as deepfakes promovem as fake news a um nível ainda mais perigoso porque se utilizam da inteligência artificial para alterar vozes, rostos e imagens completas em busca da propagação de uma notícia de modo que pareça o mais verdadeiro possível.
É justamente por isso que a identificação das deepfakes é tão mais difícil. Para detectá-las é necessária a utilização de ferramentas e de treinamento específico, visto que muitas vezes possuem alto grau de perfeição e similaridades com a situação real.
Em ano de eleições, um primeiro passo para enfrentar o uso disseminado de fake news e, possivelmente, das deepfakes, é entender que elas existem e são repassadas com frequência entre as já mencionadas bolhas de conteúdo. Ou seja, a fase educacional, antes mesmo de se falar em softwares e regulamentação, é extremamente relevante.
Isso porque o uso de fake news e deepfakes aponta para uma consequência quase tão perigosa quanto a desinformação e a manipulação de fatos. Os eleitores começam a duvidar, também, do que é verdade, descredibilizando notícias reais vindas de fontes confiáveis da mídia e do jornalismo.
O problema, então, passa a ser multidimensional: está no campo midiático/informacional, tecnológico, político, regulatório e educacional. Assim sendo, recursos para enfrentar a era da desinformação exigem esforços comuns e colaboração de diferentes frentes.
O eleitor deve estar informado e buscar consumir notícias de diferentes fontes, não aceitando recomendações do algoritmo exclusivamente, tampouco confiando no que é postado nas mídias sociais de maneira excessiva. As empresas de tecnologia, que controlam as mídias sociais, devem realizar o controle do conteúdo compartilhado, não permitindo que fake news ou deepfakes sejam propagadas através de suas plataformas.
No campo regulatório, leis para mitigar o impacto da desinformação e criminalizar responsáveis pela propagação de notícias falsas e manipuladas devem ser aprovadas, definindo os limites regulatórios e consequências jurídicas objetivamente.
De todas as responsabilidades elencadas, que dependem tanto de esforços individuais quanto de coletivos, uma certeza: é urgente a conscientização sobre os perigos da disseminação de fake news e deepfakes e a cooperação entre instituições, plataformas e autoridades públicas para mitigar as consequências e delimitar responsabilidades dentro do campo informacional.