Pedro Roncato. Artigo publicado no Conjur
É de amplo e irrestrito conhecimento que o Supremo Tribunal Federal julgou a exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) de modo favorável ao contribuinte, mesmo que ainda pendente a finalização do caso com expressa decisão sobre qual o ICMS a ser excluído e se haverá ou não modulação de efeitos.
Mas como esse julgamento afeta o cenário de tributação pelo Imposto sobre Serviços (ISS) no município de São Paulo?
Bem, antes de falar do ISS propriamente dito, é necessário mais algum tempo na análise do julgamento pelo STF que culminou com a decisão de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Isso porque, além da tese firmada, o julgamento foi construído sobre premissas que valem de forma ampla para todas as demais situações análogas ou idênticas encontradas no ordenamento jurídico, impactando ainda em outros cenários de tributação.
A premissa que nos interessa para esse objeto é o conceito de faturamento/receita bruta deve ser entendido como [1]: 1) receitas efetivamente auferidas pela pessoa jurídica sujeita à tributação; e 2) ser representado pela riqueza própria dos sujeitos passivos.
Desse modo, é fato incontestável que o STF estabeleceu um conceito único para o Direito Tributário acerca de receita bruta/faturamento, de tal sorte que para todos demais tributos que adotem essa base de cálculo, deve ser vedada a inserção de valores que não decorrem da realização da atividade econômica da empresa e que não integrem seu patrimônio de modo permanente.
Mas e o ISS do município de São Paulo? Qual a interferência do julgamento nessa tributação?
Bem, a Lei Municipal nº 13701/2003 e alterações traz em seu artigo 14 que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, sendo este considerado a receita bruta a ele correspondente.
Esse mesmo posicionamento está expresso na Solução de Consulta SF/DEJUG n° 1, de 4 de janeiro de 2021, a qual rerratifica a Solução de Consulta SF/DEJUG n° 27/2020.
“2 — O item 9 da Solução de Consulta SF/DEJUG nº 27/2020 passa a ter a seguinte redação: ‘9 — O preço do serviço, base de cálculo do imposto municipal, é a receita bruta a ele correspondente, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição. Frações do preço com destinações previstas em lei fazem parte do preço do serviço'”.
Assim, tanto pela legislação municipal quanto pela solução de consulta a conclusão é de que o ISS tem como base de cálculo o valor correspondente à receita bruta de venda, conceito equiparado ao faturamento nos exatos termos de entendimento firmado pelo STF.
É nesse momento que entendo todo o julgamento do RE 574.706 cruzar a interpretação da tributação paulistana do ISS e, notadamente, impor uma revisão dos limites dessa base de cálculo (receita bruta de prestação de serviços), identificando o que vem sendo cobrado de forma indevida dos contribuintes.
Em Direito são utilizadas duas máximas de origem latina: a primeira, ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e a segunda, ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde impera a mesma razão deve prevalecer a mesma decisão).
Prescrevendo a lei municipal paulistana base de cálculo para o ISS bom o mesmo signo presuntivo de riqueza do PIS e Cofins (receita bruta de vendas/prestação ou faturamento), inexiste razão jurídica para que não seja aplicado o mesmo entendimento que fundamentou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706 e resultou da tese firmada para o Tema 69.
Em suma, onde há o mesmo fundamento, deve haver o mesmo direito!
E assim, da base de cálculo do ISS devido ao município de São Paulo também devem ser abatidos todos os valores que apenas circulam transitoriamente pela contabilidade da empresa, mas que constituirão receita de terceiros, especificamente do próprio município e da União.
Concluindo meu posicionamento, partindo do estudo da legislação municipal e da comparação com os fundamentos do julgado do RE nº 574.706, a base de cálculo do ISS paulistano deve ser revisada procedendo-se à exclusão dos valores relativos ao próprio tributo e também dos valores correspondentes à contribuição ao PIS e Cofins.
Certamente tal entendimento não será validado apenas pela via administrativa, dependendo seu êxito de apresentação de questionamento ao Poder Judiciário.
Um ponto importante que não foi esquecido para as conclusões expostas neste arrazoado é o resultado do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 190, por meio da qual se entendeu pela “inconstitucionalidade formal a lei municipal na qual se define base de cálculo em que se excluem os tributos federais relativos à prestação de serviços tributáveis e o valor do bem envolvido em contratos de arrendamento mercantil, por se tratar de matéria com reserva de lei complementar”.
Esse não é o caso da legislação do ISS do município de São Paulo, a qual não traz reduções à base de cálculo eleita, mas evidencia.
Na legislação do município de São Paulo não existem previsões para deduções. Pelo contrário, na Lei Municipal nº 13701/2003 é bastante evidente a intenção de eleger a receita bruta da prestação de serviços para ampliar ao máximo possível seu âmbito de incidência, atingindo em tese uma realidade financeira mais larga.
Com essas observações, permanece íntegra a possibilidade de questionamento do ISS do município de São Paulo à luz de toda fundamentação da decisão do STF que determinou a não incidência do ICMS na base de cálculo do PIS e Cofins, buscando excluir de sua base de cálculo o seu próprio valor, bem como das mencionadas contribuições.
Esse mesmo cenário pode ser viável para outros municípios que possuam legislação com previsão análoga à da cidade de São Paulo, bastando para certeza sua análise detalhada.
[1] Esclarecendo a posição do STF quanto à equivalência dos conceitos de receita bruta e faturamento, necessária a transcrição de citação realizada pela ministra Carmen Lúcia no julgamento do RE 574706 , destacando voto do ministro Cezar Peluso, proferido nos REs n°. 346.084, 358.273, 357.950 e 390.840: “Está claro, portanto, que, na larga discussão acerca da noção constitucional do termo faturamento, ficaram expressamente reconhecidas e decididas duas coisas irrefutáveis: a) o sentido normativo da expressão receita bruta da venda de mercadorias e da prestação de serviços correspondia ao conceito constitucional de faturamento”.